domingo, 23 de agosto de 2009

Encontrei nas ondas uma ferramenta perfeita para me preparar para a vida! Mas o segredo do nosso sucesso vem da nossa parceria constante dentro d'água.

O mestre do estilo clássico por Twunay

A trajetória de um garoto surdo que se interessou pelo surf aos 9 anos de idade. Motivado por sua paixão pelas ondas, superou as dificuldades físicas, as de sua época e o preconceito. Hoje com 60 anos, reconhecido por muitos surfistas como o mestre, Mudinho se tornou um exemplo de vida, amor ao esporte e fé.

Quando e como você ingressou no surf?

Eu comecei a pegar ondas quando tinha 9 anos. Naquela época não existia surf no Rio, a gente pegava de peito com tábuas de madeira, se chamava jacaré. A praia do Arpoador era o principal pico dos jacarés e foi lá que comecei a pegar ondas. Depois de algum tempo apareceram as madeirites de surf. Eu morava no Leblon, que era um point de jacaré, as ondas eram tubulares e difíceis para praticar. Levei muitos caldos e feliz, peguei muitos tubos. Nesta época encomendei uma madeirite de surf com meu desenho em uma carpintaria local, foi aí que comecei a fazer os designs de surf, em 1964 e acabei fazendo algumas melhorias nas pranchas. No início de 1966 ganhei o meu 1º longboard, trazido da França por um visinho italiano que era agente de turismo.

Quais eram os picos preferidos para a prática do surf na época em que você começou?

Arpoador, Copacabana e Leblon. Essas ondas eram completamente diferentes de hoje e mais perfeitas. Pouco depois descobrimos Guaratiba. Tinha ondas perfeitas como naquele filme The Endless Summer, mas eram para a esquerda.

Quais eram seus amigos no início?

Xando, Edu e Paulo Domenech, o Estrela era meu colega de judô, Tito Rosemberg, que na época morava no Leblon e Mário Prosperi, filho daquele agente de turismo italiano que me trouxe o long francês.

Quando você começou a shapear?

Quando o Penho fez um shaper do meu modelo mini V- Bottom fiquei observando ele trabalhar, logo em seguida acabei fazendo o meu primeiro shape para o Petit, que depois ficou famoso como o menino do Rio. Foi em 1968.

Como eram as pranchas?

Eram os longboards de fibra descascados. Aproveitávamos para shapear novamente os blocos de espuma (foam) importados, para fazer mini-pranchas. Foi uma revolução no surf para novas manobras. Elas eram mais finas, estreitas e menores, também aproveitávamos as quilhas para fazer quilhas menores e apropriadas.

Dessa época, qual foi o momento mais marcante?

Tive vários momentos marcantes na minha juventude, assim vou narrar meus dois momentos inesquecíveis: Uma vez, em 1967 teve uma forte ressaca no mar, as ondas quebravam de 4 metros e rolavam bem atrás do pontal do Arpoador. Foi super sufocante para entrar na arrebentação e ficar bem longe da praia, como se estivesse em alto mar. Foi fora do comum. Peguei ondas grandes com uma 9’4 noserider Surfboard House. Nesse dia só entraram na água alguns longboarders corajosos como Geraldo, Persegue, Armando Serra, Penho, João (atual marido da Fernanda Guerra, primeira mulher surfista brasileira) e outros que não me lembro o nome. O meu outro momento marcante foi quando ganhei o campeonato Extra Magno 1967 na praia do Arpoador. Com experiência de um ano de longboard. Fui homenageado como revelação do ano.

Quais as dificuldades que você enfrentou?

Como surdo, a maior dificuldade foi a comunicação com os surfistas. Com o tempo superei isso. Alguns me tratavam como uma pessoa normal, me facilitando na leitura labial, mas na maioria das vezes eu me senti descriminado por ser surdo. As pessoas pensam que surdo é retardado e isso me prejudicou. Perdia os convites para disputar nos campeonatos internacionais, só consegui disputar alguns eventos por esforço pessoal e com a ajuda dos amigos honestos.

Quando chegou o reconhecimento da galera com suas pranchas?

Em 1968 quando fiz a prancha para o Petit. Logo fui procurado por pelos surfistas Rico, Wanderbill e outros. Acabei abrindo minha primeira oficina de pranchas em 1973 em Saquarema.

Em quantos países você já surfou?

Foram 10 países: Hawaii, Califórnia (USA), Peru, Equador, Argentina, Uruguai, Austrália, França, Ilhas Reunião e Japão.

Qual deles você gostou mais?

Austrália. País dos point breaks, das ondas longas e dos melhores surfistas do mundo.

Quem são seus ídolos?

Em 4 tempos: Tempo de longboards, Nat Young. Anos 80, Mark Richards. Anos 90, Tom Curren e nos últimos anos, Kelly Slater. Em todo tempo, Jesus Cristo, meu maior ídolo.

Para você, qual é o significado do surf?

É a essência da vida saudável, contato com a natureza e principalmente o mar. Eu considero o surf o esporte mais completo para a saúde física e mental.

Qual sua opinião sobre as novas gerações de longboarders?

A evolução da nova geração é boa, muitas manobras radicais, mas falta a combinação da velocidade e do estilo clássico. Naquela época, os longboarders andavam mais rápidos e manobravam com um estilo bonito.

O que você gostaria de dizer sobre sua vida no surf?

Fui bem criado como surfista, com um conhecimento amplo nas praias do Brasil e algumas no exterior. Sempre procurei evoluir as técnicas de surfar e de shapear. Gostaria de alcançar a genialidade no meio das ondas, mesmo enfrentando a dificuldade da comunicação.

Qual é a sua opinião sobre o estilo clássico?

É a bela coreografia da expressão surfística, mas não é só em cima da prancha, é a combinação da linha de surf com as posições do corpo quando está na velocidade da onda. Dropando, virando, batendo, voltando, entubando, o andar para o bico, finalizando a onda e remando. O estilo clássico não é malabarismo, nem exagero como as posições bananeira, virando de costas, trocando a base e outras do tipo. O estilo clássico é surrealismo.

O que você curte fazer hoje?

Eu curto ficar com minha família, esposa e dois filhos. Sou pastor cristão e dirijo uma igreja para surdos. Continuo surfando, shapeando pranchas de surf, longboards e funboards. Quero ensinar os surdos nas ondas.

Qual é o seu recado para os leitores da longboard?

Continuem surfando até aprimorar seu surf. Seja humilde, amoroso, pacífico com os outros surfistas, porque a união faz a força. Siga sempre a Jesus Cristo que é o único caminho para a vida eterna. Deus te abençoe e abraços para todos, AMÉM.